Vigia do sono



O vigia do sono me puxa as cobertas e me arrasta os pés pelo chão do quarto escuro. Derruba-me diante da janela, aonde caio num tropeço, e apertando meu rosto diante do vidro esfumaçado aponta na paisagem um quadro, um retrato.


Me fala das coisas do mundo, dos homens, de tudo mais e me conta histórias. Enxerga meus olhos mesmo fechados e ri fácil quando percebe que minto, e ele sempre sabe.


A lágrima que desce não é a água espremida do seu abraço, trata-se do respingo das engrenagens do pensamento que ele mesmo conduz através de terrenos desconhecidos, adiante dos campos de tulipas e das casas de vidro. Enxuga as lágrimas com a maçã do rosto e com o próprio queixo mistura meu líquido com o seu suor.


Ele me ama com compaixão, sem alarde. Do fundo do próprio olho ele busca respostas pras minhas dúvidas e por isso me ama, por saber que isso é sempre a resposta do que eu quero saber. [com o fundo do olho e não com o coração]


Ele me ama com dó, mas é amor, então recebo. Enxergo no seu rosto um desespero quieto de quem vê a morte anunciada: é um amor com medo da morte pacata, sem som, sem estaca.


[...]


No mais das vezes ele me deita sobre colo e arranca meus cabelos fio por fio, enquanto sussurra repetidamente trechos curtos de músicas conhecidas. Comenta assuntos do dia e com a ponta dos mesmos dedos que acusa, me serve de frutas em pequenas porções até que o sono chegue e ele tome o meu lugar.

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